domingo, 24 de novembro de 2013

Maybe it's our nowhere towns, our nothing places and our cellophane sounds, or is it really it? Certainly not us.

O que é alguém que não pode viver? O que é alguém repleto de lixo? Por Nigredo, aquele que vive no lixo vive nas canções pútridas dos amores nas ruas e nos resíduos que empesteiam o ar, os sulfúricos ventos que brisam os becos e os cantos, caminhos e prantos dessas cidades vazias, que empesteiam os atos das pessoas que vivem neste lixo em que eu vivo.

Não quero mais viver repleto de lixo, não quero mais me afundar em tanto pútrido suicídio por não poder ser alguém que não vive no lixo.

Somos lixo, somos todos lixo. Os resíduos que não entulhamos nos outros, entulhamos em nós mesmos.
Os chorumes e a poluição, a própria morte que vazam das nossas ações não são limpas por jogar o lixo pra outro lugar. Somos jogados de lugar em lugar e atônitos, nos jogamos de um lugar por outro.

De lixo por lixo, que diferença faz? Joga-lo em você, joga-lo em outros, que lixo é esse que não degrada? Que lixo é esse que se mantém no decorrer dos anos? E por que depois de me queimar eu ainda sinto cheiro de lixo? Depois de queimar e ser queimado dentro desse lugar em que eu vivo? Por que o que eu vejo queimar são tantas coisas bonitas e que foram incrivelmente preciosas pra mim? E por que o lixo ainda está aqui?

Eu queria que o meu lixo fosse o tesouro de quem é meu tesouro. Eu queria que o lixo do meu tesouro pudesse ser também o meu tesouro, sem eu ter que me forçar pra me engolir, engolir o meu lixo e o de mais gente ainda. Dói muito ser um pecador neste mundo. Dói demais querer algo que não respeita a lei do lixo que reina neste mundo, neste lugar, nesta falta de respeito e de vida, de viver, de amar, de ser por dentro e por fora. É uma falta de respeito com todos os nossos antepassados, com nós mesmos, e com todos que um dia viveram, que viverão, e todos os que estão vivos agora, neste momento, independente da espécie e da idade. Tudo.

É uma crucificação dos valores que poderiam ter feito alguma diferença em algum momento, em algum lugar, em todos os lugares que eu posso tocar. Ser absorvido por esse mundo horrível, jogar todas as suas jóias, jogar tanto da sua areia para que a ampulheta de quem não lhe diz respeito durar algum momentinho a mais. Para o lixo de outra vida ficar mais repleto de relíquias que deviam estar num castelo, e para que o príncipe verdadeiro fique repleto da ânsia tóxica da própria lixeira que é sua boca.

Dói. Dói muito não ser forte, dói muito. Mas não é o suficiente pra poder ser comparado com a dor de saber que é o que eu sou e que eu não quero mudar a minha vida, mesmo que agora eu seja um ninguém que se afundou no lixo muitos anos atrás e que ainda tem os espasmos das tentativas de viver como eu acreditei que poderia ter vivido. Os reflexos do milagre e da maravilha, do acalanto, do acochego e das gostosas intimidades que eu poderia ter com aquela verdadeira pessoa, quem quer que seja. A possibilidade de compartilhar os tesouros seus com os de um outro alguém. A necessidade da nossa raça de amar e de ser amado. A maldição de todos os seres humanos que rastejarem nesse limbo entulhado, a maldição de nunca amar a você mesmo como você ama o seu desejo desmedido e doentio. O seu desejo que grita mais alto que todo o lixo neste mundo, o seu desejo que chora todas as noites com você, quando você está realmente desamparado. O amor que te acompanha nos seus dias bons e dias ruins, que te lembra do calor que te faz sentir algo diferente da podridão neste mundo. O amor que nós nunca destinamos a nós mesmos, o amor que decidimos substituir por lixo.

Dói muito saber que eu acredito no mundo e que ele vai ser um lugar melhor. Dói muito todos os dias que eu não tiver força pra viver. Dói demais não saber mais o que fazer e perder tudo o que você acredita enquanto os contratos com essas crenças te olham incessantemente, te lembram que naquele momento você não é nada, mas quando voltar a ser qualquer coisa, já vai estar voltando pra muitos certos algos.

Dói demais saber que todos os dias eu nunca mais vou ver de novo aquele amor que eu poderia ter tido um dia, independente de eu poder ou não. Dói muito o saber falso do lixo que nós engolimos todos os dias, que nós nos tornamos, que nós respiramos, que nós damos a luz dentro deste pobre e perdido, mal compreendido e desamparado mundinho dentro de nós mesmos.

Engasgar no detrito ao acordar, respirar o enxofre pra dormir, é isso mesmo o que nós queremos? É isso mesmo o que nós quisemos quando resolvemos nos entulhar dentro desse lixo todo? Eu tenho certeza que não. Foi a falta de compreensão e inteligência, de discernimento e de conhecimento de nós e do mundo, de tamanho e de viver que deixou-nos dentro das nossas lixeiras particulares próprias. Ainda que nós xafurdemos no lixo e nos engasguemos no enxofre de nossos tristes e maníacos dias, nós podemos mesmo viver em algum lugar dentro e fora de nós que seja de verdade limpo? Que seja de verdade arejado de alguma forma real? De algum jeito natural?

Por que nós tentamos tanto antes? De frente a todo este lixo? Será que a ignorada que demos em nós mesmos volta pra a gente como essa ignorada de nossos desejos frente ao desistir e ao viver como lixo? De continuar e tornar-nos diferentes deste lixo, e nos fazendo viver como algo que não pertence a este lugar?
Será que sou só eu ou nós todos pertencemos e viemos de um lugar melhor que todo este lixo dentro de mim?

Eu tenho certeza que sim, e eu quero viver limpo, e livre de todo o meu lixo. Será que eu estou pronto pra sofrer por isso? Será que eu preciso?

A vida dentro deste lixo não vale a pena, mas será que eu consigo? É claro que eu posso, e que eu sei que consigo, mas por que eu sinto que ainda vou cair de volta no inferno por ter tentado algum dia sair da maldição que eu criei dentro de mim? Este limite, este limite, este limite. Ainda me encontro com o velho limiar que vejo aqui e agora neste lugar dentro de mim.

Será que eu estou pronto pra deixar este mundinho entulhado meu pra trás e viver de verdade? Viver de verdade como eu vivi dentro de mim mesmo e até dentro deste mundo o suficiente pra chegar até este lugar, nesta borda de mim mesmo? É uma coisa linda, um tesouro, se pararmos pra ver isso nem que seja só por um segundo.

É lindo, é limpo, é puro e vasto, como a utopia que não sei quantas pessoas podem ter sonhado algum dia que seja.

Mas viver isso dá medo, viver isso me dá vontade de me jogar de volta no lixo onde pertencem todas as coisas que fogem da verdadeira realidade.

Eu quero ter coragem, e atravessar este limite. Eu quero viver. Quero viver. Eu quero viver de verdade.

Eu quero me amar.

Eu quero meus verdadeiros tesouros de volta.

Eu quero o meu amor. Quero a minha vida de volta. Quero o meu milagre. Quero as minhas maravilhas, os pequenos acontecimentos que aquecem o coração de quem eu toco. Quero tocar meu próprio coração e me libertar dos limites dessas correntes que eu fiz pra um lugar que eu não sabia o que era, e que agora que eu sei que não devo demorar mais nele, voltar para onde tenho que ir. Voltar para o lugar que tenho que conhecer de novo pela primeira vez.

Vamos? Eu estou indo e dessa vez vai ser a primeira vez. Sempre vai ser a primeira vez pra tudo.